A escassez de mão de obra qualificada é uma antiga demanda de empresários dos mais diversos setores econômicos do Brasil. O problema, porém, ganhou uma nova dimensão nos últimos anos, especialmente por conta da pandemia do coronavírus. Com a retomada gradual das atividades econômicas após quase dois anos de estagnação, alguns segmentos se veem pressionados a encontrar rapidamente trabalhadores que possam repor os demitidos durante o período mais sério da crise pandêmica.
No caso da indústria, com destaque para a calçadista, o problema é que muitos desses trabalhadores não querem voltar ao antigo posto. Em outros casos, como no setor da Tecnologia da Informação (TI), a dificuldade de recrutamento tem outra explicação. É que enquanto o isolamento social impulsionou esse mercado, a formação dos profissionais não seguiu o mesmo ritmo.A falta de mão de obra se aplica também a outros setores. Um dos principais gargalos, de acordo com o empresariado, está na oferta de pessoas formadas no ensino técnico. Tal percepção vai ao encontro do que mostra o IBGE. De acordo com o Instituto, no ano de 2019, em toda a região Sul, apenas 8% dos estudantes de 14 anos ou mais frequentavam cursos técnicos, percentual que se mantém estável desde 2016.
Doutor em sociologia e professor da Unisinos, Carlos Eduardo Santos Pinho acredita que o problema associado à formação passa pela falta de políticas públicas alinhadas com o setor produtivo que possam garantir essa capacitação aos jovens. "Penso que o que há no cenário mais recente é uma falta de coordenação intergovernamental, uma política deliberada do Estado no nível macro de qualificação da mão de obra."
Enquanto a estratégia macro parece estar debilitada, empresas privadas têm buscado soluções próprias para sanar as falhas de formação. As ações vão desde atração de novos talentos e passam, especialmente, pela preparação interna de quem já está inserido no mercado.
O setor de fabricação de calçados é responsável por 24,8 mil contratações na região de cobertura do Grupo Editorial Sinos ao longo de 2021, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Esse ramo tem enfrentado um desafio duplo. O primeiro é atrair jovens para o chão de fábrica, o segundo, manter profissionais que queiram se qualificar dentro do setor.
O pouco apelo pode ser explicado, entre outros fatores, pela defasagem tecnológica das fábricas, que acabaram se tornando menos atrativas às novas gerações.
Um trabalho desenvolvido a partir de uma parceria entre empresas e o Senai Calçados funciona como uma das principais iniciativas de atração de talentos. No início de dezembro, cerca de 200 alunos do curso profissionalizante de sapateiros participaram de um dia de palestras com representantes da indústria. O objetivo era demonstrar que o setor vai além do chão de fábrica.
"Muitos deles são filhos de profissionais da indústria do calçado. Mas hoje trabalhar com tecnologia é o que atrai, o mercado precisa impregnar tecnologia e sistemas automatizados", afirma o gerente de operações do Senai Calçados, Rodrigo Ourives da Silva.
A principal necessidade do setor é quanto a pessoas com o curso técnico. O Caged mostra que dos 7,4 mil contratados neste ano, apenas 524 possuíam a formação. Amaior fatia (300) não era de jovens em busca do primeiro emprego, mas de pessoas com idade entre 25 e 39 anos.
Formação interna
Esta defasagem vem levando as empresas a investirem em formação interna, fazendo com que os funcionários mais antigos sejam capazes de crescer internamente. A Redeplast, calçadista sediada em Novo Hambrugo, é uma das empresas que têm apostado na formação dentro das paredes da empresa ao invés da busca por profissionais já formados.
“Estamos dando preferência para o crescimento interno e já na dinâmica de integração informamos o plano de carreira. Isso é um novo olhar, que não é só esperar que o jovem venha, pois a indústria precisa investir”, conta Carin Mattner, responsável pela gestão de Recursos Humanos (RH) da empresa.
A Beira-Rio foi mais longe, e criou escolas internas que vão além de cursos para o mercado calçadista. “Criamos escolas de formação dentro da empresa para formar em todas as áreas, assim, temos uma formação constante e com o DNA da empresa”, explica Clovis Gruhlke, diretor administrativo da empresa. Os cursos oferecidos incluem inclusive áreas como TI.
Diferentemente de outros setores, a TI viveu um momento de crescimento durante a pandemia. Com a informatização dos sistemas acelerada, a velocidade da formação não acompanhou a necessidade do mercado.
Presidente da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação do Rio Grande do Sul (Assepro-RS), Julio Ferst diz que não tem como manter o ritmo de crescimento sem qualificação da mão de obra. “As empresas estão crescendo rapidamente e estão tendo necessidade de contratar mão de obra. O crescimento das empresas se dá pelo capital humano, capital humano qualificado.”
O mercado oferece bons salários, mas, segundo Ferst, mesmo assim “não está fácil conseguir pessoas interessadas nessa formação”.
Iniciativas
Por parte da Assepro-RS, foi criado o Programa "+ Pra Ti", em que 43 empresas do Estado oferecem cursos gratuitos para quem pretende ingressar no mercado de trabalho.
Em São Leopoldo, para tentar suprir parte da demanda de TI, a prefeitura, junto com o Senac e o Tecnosinos, lançaram o programa "3 Mil Talentos TI", que, resumidamente, visa a qualificar jovens de 15 a 39 anos para trabalhar na área. Como o nome sugere, por meio de cursos específicos e de curto período, o projeto quer capacitar um total de 3 mil pessoas para o setor até 2023.
A primeira fase iniciou em novembro deste ano, com cursos que devem durar até meados de fevereiro, formando os primeiros 540 jovens.
“Já concluímos 10 turmas com um atendimento de 161 alunos. Além disso, estamos com nove turmas em andamento e mais oito turmas com início previsto para o meio de dezembro até meio de fevereiro”, salientou Éderson Felipe da Silva, coordenador do programa pelo Senac São Leopoldo.
No início do próximo ano, um novo edital de seleção deve ser aberto.