Em julho o governo do Estado revelou os vencedores do Concurso Iconicidades. Os certames selecionaram projetos arquitetônicos para espaços em cinco municípios gaúchos, entre eles, a Casa do Imigrante de São Leopoldo. Parte do espaço, que abrigou os primeiros imigrantes alemães que chegaram na cidade em 1824, desabou no dia 5 de março de 2019. Agora, a partir do projeto da arquiteta leopoldense Patrícia de Freitas Nerbas e de sua equipe, a casa deverá receber traços de modernidade, mas sem perder suas principais características históricas.
“No que se refere ao patrimônio, tentamos preservar a imagem consagrada da casa no imaginário da população local, por isso além da análise arquitetônica e seus traços históricos, foi feita uma análise contextualizada com a parte sentimental deste patrimônio e seu entorno. Buscamos manter o caráter que a casa possuía antes do desabamento, conforme exigências do edital”, explica Patrícia. A arquiteta destaca que por ser um espaço com mais de 200 anos, a Casa do Imigrante possuiu muitas foras e identidades.
“Por isso, buscamos trazer essas diferentes características e identidades para a parte interna do restauro, evidenciando não apenas a nossa intervenção, como também evidenciando as diferentes "eras" da casa pela criação de uma janela histórica, na figura de uma escavação arqueológica, tendo em vista, que precisaríamos escavar esse setor para resolver a fundação da casa. Nos preocupamos em alinhar e tratar com a mesma preocupação elementos identitários e históricos com elementos técnicos e construtivos”, conta.
Além do prêmio de R$ 20 mil, Patrícia e os demais autores do projeto, Jordana Cristine Winter, Ketelyn Schiochet Jardim, Kauã Domingues de Oliveira e Vera Grieneisen, ficarão responsáveis pelo desenvolvimento dos projetos executivos e complementares, em valores que vão de R$ 580.389 a R$ 749.199,54.
“O projeto para o anexo ao museu histórico, busca atender as demandas socioambientais, em um contexto econômico de escassez de recursos. Configurando espaços resilientes às mudanças diárias e futuras, responde aos requisitos técnicos construtivos adequados à materialidade que equaciona os inúmeros desempenhos recorrentes em obras deste porte”, explica a arquiteta.
Detalhes do projeto
De acordo com Patrícia, na elaboração do projeto a equipe de arquitetos buscou soluções que transitam entre as diferentes escalas projetuais do edifício à cidade. “A criação de um novo lugar de convivência local para a cidade, a recuperação do seu impacto regional como museu para a região Sul do Brasil e o impacto global que pode ser estabelecido pelas estruturas que oportunizam a implantação de incubadoras no futuro parque, focadas em tecnologias e inovações econômicas, sociais e ambientais”, diz.
“Estas três escalas, do global ao local, se sobrepõem na proposta de um parque regenerativo, que oportuniza uma rede para a manifestação da paisagem histórico-cultural. O potencial do parque se desenvolve ao longo de eixos, que passam por três zonas: a sociocultural, a natural e a socioeconômica que celebram respectivamente a memória do local”, completa.
Patrícia explica que todos os sistemas construtivos, das fachadas às esquadrias em estilo guilhotina colonial serão mantidos e restaurados. “No ambiente interno, os visitantes poderão compreender o marco histórico de desabamento, o reboco das partes restauradas permanece em estado atual, as áreas complementadas não recebem reboco para evidenciar a intervenção entre os diferentes tempos do projeto”, comenta.
“Para poder esclarecer melhor a história da casa e seus moradores, a própria escavação necessária para consolidar as paredes da casa, será o espaço para uma prospecção arqueológica. Mantida à vista dentro do museu, conforme um memorial à época colonial. Uma passarela elevada sobre a área da escavação oportunizará a leitura da intervenção estabilizante no patrimônio, vence o desnível dentro da casa para cadeirante e indica claramente o início do passeio pelo museu. O nível do piso de madeira interno nas demais salas da casa permanece na altura atual, porém como piso elevado sobre um novo contrapiso que será executado 15 centímetros abaixo do atual e possibilitará uma instalação elétrica flexível para exposições, a climatização dos ambientes e a ventilação da madeira do piso para evitar novo apodrecimento”, detalha.
Arquiteta, urbanista e pesquisadora de soluções de sustentabilidade para a construção de cidades mais inteligentes e saudáveis, Patrícia afirma que pensar um projeto para um lugar que representa leituras de um imaginário coletivo sobre a história foi um grande desafio. “Planejamos o futuro desconhecido no presente, e a única certeza é o passado conhecido. Reconhecer os valores da cultura e a história do lugar que representam parte da nossa identidade é essencial a qualquer projeto que busca gerar novas oportunidades e experiências”, pontua.
Moradora de São Leopoldo, Patrícia diz que a elaboração do projeto despertou nela reflexões sobre diferentes vivências e sentimentos sobre os valores e significados culturais da casa. “Como profissionais, ao pensar um espaço da cidade estamos arquitetando um futuro melhor para todos. Sendo este lugar parte da minha história, ícone da nossa história, difícil não se emocionar e lembrar das pessoas que ali viveram, conviveram e tantas outras que viverão. Todas as pessoas, aquelas que tive a oportunidade de conhecer, conviver ou simplesmente admiro suas atuações, e tantas outras que ainda desconheço, pertencem ao plano desenhado, pelo menos para parte de uma cidade sustentável, saudável e próspera a todos. E que este lugar, repleto de história, desperte o olhar das pessoas para os significados de suas vidas e, possa reverberar em outras soluções para nossa cidade”, analisa.
Ao todo, 28 projetos foram inscritos por arquitetos de todo o Brasil para a reformulação do espaço da Casa do Imigrante. Desses, 27 foram homologados, mas apenas 14 foram entregues no prazo. Ainda assim, São Leopoldo foi a cidade que mais recebeu propostas. O concurso beneficiou também outros quatro projetos em outras cidades. Foram eles: Centro de Gastronomia, em Pelotas; Ecoparque Turístico Molhes da Barra, em Rio Grande; Clube dos Ferroviários, em Santa Maria; e Complexo Casa de Cultura, em Cachoeirinha.
A elaboração do projeto arquitetônico, complementares, executivo e museológico da Casa do Imigrante está orçada em R$ 607.321,14 e ainda não tem uma data para começar, assim como também ainda não se sabe qual será o prazo de conclusão. A estimativa é que o custo total da revitalização e criação das novas estruturas chegue a R$ 5 milhões
De acordo com a arquiteta Patrícia Nerbas, em síntese as próximas etapas do projeto se subdividem em dois grandes momentos, o desenvolvimento do anteprojeto e do projeto executivo. “No anteprojeto, vamos alinhar planos às demandas específicas de cada projeto e às diferentes interfaces projetuais. Já no projeto executivo, todos os elementos técnicos serão detalhados. Temos um período para desenvolver e compatibilizar tecnicamente todos os requisitos específicos de cada projeto. No total serão 11 projetos, contemplando, por exemplo o restauro do patrimônio, o projeto arquitetônico, o luminotécnico, o projeto urbano e paisagístico, além de todos os projetos complementares”, explica. Segundo ela, as datas serão confirmadas na assinatura do contrato, prevista para final de agosto.